Muitas pessoas definem a medida geométrica do afastamento com sinônimo de burden. Eu não tenho a pretensão de definir o que é e o que não é. O máximo que posso fazer é te mostrar como eu defino burden e como faço uso da definição para projetar desmontes que não estão presos a conceitos puramente geométricos, como afastamento e espaçamento. As vezes o burden e o afastamento podem estar intimamente ligados em alguma parte do processo, mas não convergem para uma mesma definição, são entes diferentes na minha visão da teoria do desmonte.

Mas antes um pequeno aviso. Para um melhor entendimento do conceito, você deve visualizar o desmonte como um sistema em que proporcionamos a conversão de energia química em trabalho mecânico de fragmentação. A partir de um sólido, criamos um sistema constituído de material fragmentado que flui em determinada direção (ou aleatoriamente, quando mal executado…). Para conseguir este fluxo, muita energia química é convertida. Parte desta energia vai para a fragmentação, parte para transferência de momento para os fragmentos e uma outra (grande) parte enche o saco como vibrações, ruídos sonoros, luz e como calor transferido ao meio. Neste último caso alguma coisa deu muito errada e a reação não foi completamente adiabática.

A melhor maneira de introduzir o conceito de burden é através do mito grego de Sísifo. Contam os antigos gregos que Sísifo era filho do rei Éolo, da Tessália. Considerado por muitos como o mais astuto dos homens, Sísifo enganou a morte por duas vezes. Uma delas foi quando Zeus mandou a morte buscá-lo por tê-lo caguetado enquanto sequestrava uma jovem chamada Égina (longa história, pode conferir os detalhes aqui).

Por ter feito Zeus de bobo, Sísifo foi condenado a empurrar montanha acima uma pedra muito pesada. Quando estava prestes a conseguir chegar ao topo, a pedra rolava para baixo.

Para entender o que é burden e como ele se encaixa nesta narrativa você deve se colocar no lugar de Zeus. Imagine que cabe a você projetar os detalhes do castigo de Sísifo. A primeira coisa que você observa é o coitado não tem uma força infinita.

Sabendo disso você conclui duas coisas obvias: se projetar uma pedra muito pesada, ele não conseguirá empurrá-la, faltará energia. Se projetar uma pedra muito leve, ele empurrará a pedra com facilidade para cima e ainda sobrará energia pra tomar uma gelada com os amigos no resto do dia. O castigo deve ser ótimo, no sentido de otimizado.

A massa da pedra deve ser tal que quando estiver muito próximo do cume as forças de Sísifo se encontrem no limite do esgotamento. Desta forma conseguimos o máximo de trabalho possível com a energia disponível. Projetamos um burden ótimo.

Burden é uma palavra de origem da língua inglesa que significa fardo, peso, ônus, carga, responsabilidade, obrigação. Traz consigo o conceito daquilo que é de responsabilidade de algo ou alguém. Os Rolling Stones possuem uma música chamada Beast of Burden, que numa tradução livre para o português brasileiro significa algo como o nosso famoso burro de carga.

A pedra representa a carga que Sísifo é responsável por empurrar. Como esta carga foi bem projetada, convertemos a máxima energia possível presente nas moléculas de glicose do corpo de Sísifo em trabalho mecânico. Se Sísifo fosse mais fraco, teríamos que projetar uma pedra menor. Se fosse muito mais forte, poderíamos lhe presentear com um pedra muito maior.

A analogia obvia agora é trocar Sísifo por um furo carregado com explosivos e a pedra por uma bancada (ou parte de uma). Mas antes perceba que no caso deste exemplo, o ônus, a carga, a responsabilidade de Sísifo é empurrar todo o volume de rocha para cima.

Veja o desenvolvimento mostrado na figura abaixo. As setas em verde representam afastamentos quaisquer. As setas em azul, apontam na direção em que ocorre a conversão de energia química em trabalho mecânico e onde é provável que ocorra o fluxo do material fragmentado. É esta seta , partindo do centro da carga, que podemos chamar de vetor burden. Não se preocupe com definições formais e rigorosas, o objetivo aqui é conceitual. Estes vetores carregam a informação de qual o volume de rocha será afetado pela carga explosiva e a direção onde o provável fluxo de material vai ocorrer.

Considerando que estamos colocando o desmonte em um modelo de conversão de energia química em trabalho, podemos melhorar nossa visão do processo. Vamos pensar desta maneira: ao afastarmos o furo vamos proporcionando à energia do sistema a possibilidade de se converter em trabalho mecânico para um volume diferente do ponto ótimo. Até que chegamos a um ponto onde a fragmentação ocorre apenas como crateramento do furo. Note que conforme vamos nos aproximando deste ultimo ponto vamos alterando o burden do nosso sistema, independente do afastamento do furo à face.

Agora vamos emprestar duas teorias, a teoria de Ash que trata sobre o índice de rigidez (ou esbeltez) e a teoria do crateramento. Podemos trabalhar com as duas teorias de modo a tentar encontrar as dimensões das distâncias da carga de modo a proporcionar o melhor aproveitamento possível da energia.

Estas duas teorias são ferramentas para tentar encontrar o burden ótimo. Não importa aqui se você concorda ou não com a a teoria de Ash ou com a teoria do crateramento. O importante é perceber que utilizamos dois modelos para projetar o melhor burden possível. Você poderia ter utilizado quaisquer outros.

O que estamos fazendo é tentar encontrar a posição da carga dentro do sistema que possibilita a melhor conversão de energia química em trabalho mecânico e, se você olhar bem atentamente, podemos dizer que estamos atrás da posição da carga explosiva em que diminuímos a entropia dos produtos resultantes da reação de detonação e aumentamos de maneira absurda a entropia do sistema bancada. Estamos falando aqui da definição de entropia de Boltzmann, não se trata de uma metáfora. Pense nisso.

Obviamente, as observações acima de certa forma são uma visão de trás pra frente de um filme. O que acontece na realidade é que primeiro vem o burden, o volume que precisamos desmontar, depois dimensionamos as posições das cargas que melhor se adequam.

Primeiro somos apresentados ao volume, a massa a geometria do algo a ser detonado. E quase sempre um furo não é suficiente para dar conta. Então juntamos furos para que cooperem de alguma maneira e consigam fragmentar todo o volume.

Esta cooperação entre cargas de maneira a atingir o objetivo de fragmentação e lançamento, ou de outra visão, de modo a converter a maior quantidade de energia possível em trabalho de fragmentação, aumentando a entropia do volume de rocha, é o que chamamos de desmonte de rocha. Eu sei que é uma definição estranha e um pouco assustadora, mas é só a primeira impressão, você vai se acostumando com o tempo (e aqui tem um trocadilho muito sútil…).

Um exemplo escalonável em complexidade. Existe um bloco de rocha e precisamos fragmentar parte dele. Podemos colocar um furo no centro do nosso volume. Isto poderia funcionar de certa maneira, mas a melhor opção seja, talvez, dividir a energia deste furo central em diversos furos dispostos sobre o bloco. Dividimos nosso volume em fatias e para cada fatia existem os furos responsáveis por sua fragmentação.

Cada furo possui a sua responsabilidade, seu burden. Se coloco dois furos “lado-a-lado” encarregados de fragmentar determinado volume, posso dizer que estes furos estão espaçados entre si e que de alguma maneira cooperam para fragmentar um volume de rocha. Qual a distância ideal entre estes furos, a diferença de tempo de iniciação entre eles, tudo isso em função do meio em que se encontram, com suas descontinuidades e demais características, fazem parte de estudos dentro da teoria do espaçamento.

Percebeu? O projeto do desmonte precisa contemplar a evolução temporal da fragmentação. Um desmonte ocorre no tempo e a maneira que você libera esta energia no tempo altera o burden de cada furo ou de um grupo de furos encarregados de fragmentar um determinado volume.

Quando um furo fragmenta seu volume de maneira que o próximo furo em sequência “preocupa-se” apenas em fragmentar o volume de sua responsabilidade, dizemos que ambos estão afastados um do outro de maneira adequada e que a formação do burden dinâmico está bem dimensionada.

Projete burdens possíveis, essa é a dica. Veja na figura abaixo a evolução temporal do desmonte. cada cor representa uma sequência e um volume de responsabilidade. As setas amarelas são os afastamentos geométricos da malha; as setas azuis, os vetores dos burdens associados a cada sequência. Note que se qualquer sequência não realizar o seu trabalho direito, o volume de responsabilidade da sequência seguinte vai ser aletrado. O burden é dependente do tempo. Você pode alterar o burden de um furo ou mais no projeto da sequência de detonação.

A distância adequada e o tempo de retardo entre burdens são objetos de muita pesquisa. Fato é que o processo de desmonte é muito complexo para ser reduzido apenas a relações geométricas entre as medidas da malha de perfuração. Se você já trabalhou em desmontes de subsolo já deve ter notado que conceitos como afastamento, espaçamento e malha não fazem muito sentido. Lá embaixo talvez a melhor abstração seja o conceito de prismas de competência, que é uma maneira de se dizer… BURDEN! Mas isso é assunto de outro texto.

Na figura abaixo temos um desmonte teórico em fomato de um “T”. Precisamos projetar o burden dos furos centrais de maneira a orientarem um fluxo na direção da seta verde. E os laterais, de maneira a seguirem as setas vermelhas.

Você acha que não é possível? Então veja o vídeo onde eu fiz o sequenciamento de mais de 900 furos de maneira a desmontar todo o volume da casa de força de uma PCH no interior de São Paulo.

Veja na figura abaixo uma reapresentação do que foi feito. Diversos direcionamentos de diversos setores do desmonte.

Passei um dia inteiro desenhando a lápis numa folha A1 todo o sequenciamento deste fogo. Poderia ter utilizado algum software ou mesmo escrito um código para automatizar a tarefa? Sim, poderia. Mas então perderia a oportunidade de ficar escutando Metallica enquanto, como diria Sartre, com a consciência plasmada no papel, esculpia cada sequência.

Abaixo mais vídeos onde a filosofia burden foi utilizada. Você pode conferir alguns de nossos desmontes no youtube. Abraço!

By Golin

2 thoughts on “Burden, o conceito fundamental na teoria do desmonte de rocha.”

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